Investidores podem buscar reparação de jornal que divulga informação falsa sobre empresa negociada na Bolsa?

A liberdade de imprensa é, mais do que um direito inviolável, uma conquista da sociedade. Todavia, nenhum direito é absoluto, e, especialmente dado o alcance e o poder que a imprensa detém, deve ser utilizado com responsabilidade. E quando esta liberdade é exercida de modo irresponsável, mediante a publicação de informações falsas ou equivocadas, que mexem com mercados e valor de ativos, quem age assim pode ser responsabilizado pelos prejuízos suportados por aqueles que foram vítimas das oscilações do mercado decorrentes da notícia falsa?

Há um recente caso que ilustra esta questão. Notícia publicada em 4/3/2020 pelo portal InfoMoney dá conta de que o IRB (Instituto de Resseguros do Brasil), que já havia sofrido fortes oscilações no mês anterior em um episódio com a gestora de investimentos Squadra, perdeu “R$ 8,4 bi com nova polêmica envolvendo empresa de (Warren) Buffett”, após suas ações terem subido, em uma única sessão na semana anterior, 6,66%, chegando a baterem ganhos de 9% no mesmo pregão.

A significativa valorização do valor de mercado do IRB, negociado na B3, foi contemporânea à publicação de matéria pelo Estado de S. Paulo em que informava que a Berkshire Hathaway, do famoso investidor americano Warren Buffet, teria triplicado a sua participação acionária na empresa de resseguros brasileira. Porém, após a emissão de um comunicado pela Berkshire Hathaway negando estas informações, as ações do IRB chegaram a despencar mais de 40% em uma única sessão, fechando com uma desvalorização de 91,96% e perda de valor de mercado de R$ 8,4 bilhões.

Fica a questão: há responsabilidade do jornal por ter veiculado informação que se mostrou falsa, trazendo prejuízos a diversos investidores? Ou teriam os investidores sido incautos de terem confiado na informação veiculada pelo jornal? Ou, ainda, seria o jornal imune a quaisquer responsabilizações?

A Lei de Imprensa (Lei 5.250/67) era clara em imputar “aquêles que, através dos meios de informação e divulgação, praticarem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação ficarão sujeitos às penas desta Lei e responderão pelos prejuízos que causarem”. Além disso, a Lei prevê que constitui ainda crime publicar ou divulgar notícias falsas que provoquemsensível perturbação na cotação das mercadorias e dos títulos imobiliários no mercado financeiro”. Não haveria maiores dúvidas quanto ao enquadramento destes dispositivos, não fosse o fato de que esta lei foi julgada inconstitucional pelo STF em 2009, de modo que foi excluída do ordenamento jurídico.

Isso significa que não há responsabilidade? Não exatamente. No julgamento que decretou a inconstitucionalidade, houve contundentes votos no sentido de que vários dispositivos da lei de imprensa foram recepcionados pela Constituição (ou seja, não eram inconstitucionais), no que se poderia incluir os dispositivos citados. Além disso, as disposições gerais do Código Civil sobre reparação de danos – inclusive no caso de abuso de direito – parecem ser suficientes à responsabilização de alguém pelos prejuízos causados em decorrência da negligência no seu ofício e na apuração de um fato.

Há que se considerar, ainda, um ponto essencial: em uma época em que notícia está se transformando em commodity ante o incomensurável volume de informações disponível – e disseminação de fake news – a credibilidade de um tradicional veículo de comunicação (talvez o seu maior ativo) mostra-se um elemento relevante nesta análise sobre a sua responsabilidade para com a sociedade – e os investidores afetados.

Claro que há várias nuances que devem ser analisadas em cada caso. É possível observar que meios de comunicação comumente utilizam linguagem pouco afirmativa, alegando, por exemplo, que o investidor americano teria adquirido participação no IRB, segundo uma fonte, em vez de afirmar que adquiriu. Uma defesa fundada na alegação de que o uso do futuro do pretérito em vez do pretérito perfeito não consubstancia uma afirmação categórica do suposto fato noticiado seria extremamente subjetiva e casuística, mas longe de ser desprezível; se o leitor interpretou uma possibilidade como se fosse um fato, talvez tenha sido efetivamente incauto. Neste caso específico, entretanto,

Mesmo que superado este ponto, seria necessário que o investidor demonstrasse, ainda, que os prejuízos suportados decorreram diretamente da notícia falsa – campo árido, dado o número de variáveis especulativas que influenciam o valor de mercado de uma empresa listada na bolsa, sendo difícil isolar unicamente um único como responsável por toda a variação, mas que, bem demonstrado em uma demanda indenizatória, pode levar à condenação do propagador da notícia falsa e à reparação do investidor prejudicado.

O tema é complexo, mas extremamente instigante e que, com a crescente busca de transparência e credibilidade que o mercado de capitais busca, através da adoção de inúmeras medidas que visam trazer segurança ao investidor, ganhará relevo no futuro próximo, inclusive como forma de coibir comportamentos irresponsáveis que trazem prejuízos indevidos a investidores.